A opção pela fixação está ligada às condições naturais que a região oferece, caso da exploração mineira e da produção de cereais, vertentes principais dos fluxos de homens e capitais.
A Villa Romana, casa típica de rico mercador, implantada à beira do rio no início do século III, constitui o núcleo a partir do qual se estrutura a aldeia, a vila e hoje cidade de Rio Maior.
Depois, a presença moçárabe, mais nítida nos silos e forno cerâmico localizados na freguesia de Alcobertas, espelha a profundidade das ligações que ambas as civilizações, tão diferentes e distantes no tempo, foram capazes de imprimir no território.
Aquando da fundação da nacionalidade, a região aparece disputada por vários poderes, desde a Ordem Militar dos Templários, à Ordem Monástica de Alcobaça, à Ordem de Avis, passando pela dominação régia e, sobretudo, pela autoridade municipal. Esta última marca sobremaneira o viver quotidiano das gentes riomaiorenses, permanecendo Rio Maior como freguesia do termo da vila e comarca de Santarém até à constituição do concelho em 1836.
A primeira referência documental sobre a terra data da Alta Idade Média, num documento de venda de um talho das salinas de sal-gema, atual ex-libris do concelho. Trata-se da carta de "Doacom de falinas e Rio mayor" que regista a transação entre os particulares Pero Baragão e mulher e a Ordem do Templo realizada em 1177.[2] Desde então, e até hoje, muitos foram os titulares dos talhos e muito trabalho de agricultores, tornados marinheiros, têm sustentado as safras sazonais que decorrem todos os anos e que, de abril a setembro, cobrem de branco a terra parda com a antiquíssima e artesanal arte.
Temos notícia da presença das cortes régias de D. Fernando e D. João I em Rio Maior e da passagem e estada, em 1449, de D. Pedro, duque de Coimbra e antigo regente do reino, a caminho da batalha de Alfarrobeira, sucedida às portas de Lisboa e na qual viria a falecer.
Os impulsos destas estadas régias numa aldeia de tão pequenas dimensões repercutem-se de imediato e trazem ao burgo mais gente e mais movimento. No Numeramento de 1527,[3] primeiro "censo" da nação, contam-se 98 vizinhos, o que não deixa de ser significativo, comparativamente a localidades vizinhas. Quase um século depois, em 1619, continuamos a ver esse desenvolvimento traduzido pela fundação de uma albergaria régia, que em 1659 passa a ser gerida pela Misericórdia local.[4]
Assiste-se, entretanto, ao aumento demográfico e à valorização do potencial económico, traduzido na criação de uma feira anual, que em 1722 recebe alvará de D. João V a autorizar que se realize aos 15 de setembro de cada ano, em substituição do dia consagrado a S. Sebastião, coincidente com as invernias do mês de janeiro.[5]
Em 1794, na sequência de doação de casas, capela e outros bens por Ana Micaela do Nascimento, é fundado um hospício e fábrica de buréis por religiosos da Província da Arrábida, no local onde atualmente se situam os Paços do Concelho.[6]
As primeiras décadas do século XIX são marcadas pela presença em Rio Maior de algumas personalidades notáveis, caso de José Seabra da Silva, ministro do Marquês de Pombal, desterrado em S. João da Ribeira, no período de 1800 a 1804, por intrigas políticas na corte, bem como do general Jean-Andoche Junot, aqui ferido nos inícios de 1811, no contexto da terceira e última Invasão Francesa. Segundo relatos populares, também D. Miguel, porventura a mais emblemática figura oitocentista, teria pernoitado em Rio Maior nas vésperas da batalha de Almoster e aqui recebido a notícia da sua derrota, mas fontes de época descrevem a sua permanência em Santarém nessa data e a subsequente travessia do rio Tejo, nesse ponto, em direção ao Alentejo. Certo é que a atual Casa Senhorial de El-Rei D. Miguel terá pertencido a um ferrenho miguelista, de seu nome Joaquim Maria, ficando por comprovar a estadia do rei nesse local.
Em 1836, no contexto da reorganização administrativa coordenada pelo ministro Passos Manuel, Rio Maior recebe a dupla benesse de ser elevada a vila e ver criado o respetivo concelho, que nessa data conta com seis freguesias: Rio Maior, Outeiro da Cortiçada, Arruda dos Pisões, S. João da Ribeira, Azambujeira e Abitureiras (esta última, passado cerca de um ano, passa a pertencer novamente ao concelho de Santarém).
Pouco tempo depois, em 1855, vê juntarem-se lhe duas novas freguesias, Alcobertas e Fráguas, com a extinção do concelho de Alcanede. Ainda nesse século, em 1878, a localidade de Marmeleira ascende a freguesia, ficando o concelho composto por um total de oito, valor que se manterá até à segunda metade do século seguinte.
Na nova freguesia da Marmeleira, assistiremos ao germinar de um sentimento de mudança, mudança das condições de vida, mudança de uma certa forma de estar acomodado aos destinos que a condição social impunha e que reduzia o horizonte de esperança. Essa mudança, que começa nas famílias e se estende à escola, resulta na maior percentagem de alfabetizados do concelho (26,4 %)[7] quando a República chega em 1910. De resto, e embora não sendo marmeleirense de nascimento, mas de adoção, António Gomes de Sousa Varela merece uma referência pela ousadia, lucidez e coragem de corporizar e dinamizar essa transformação que outros, mais tarde, se empenharam em prosseguir, reunindo argumentos para que a localidade receba, em 1927, o estatuto de vila.
No último quartel do século XIX, a vila e sede de concelho, também tocada por esse dinamismo, desenvolve grande atividade nas áreas educativas e do associativismo, sendo de destacar: a fundação do Grémio de Instrução e Recreio Riomaiorense, em 1869; a abertura em 1878 da Escola de Instrução Primária da vila, com dois pisos e para ambos os sexos, obra do benemérito João José da Costa; as representações de peças de teatro amador, que culminam na inauguração do edifício do Teatro Riomaiorense em 1880; a fundação da Escola Municipal Secundária em 1886; e, ainda, a fundação da filarmónica Música Velha ou Carecas, que dará origem, primeiro, à Sociedade Progresso Filarmónico, que agrega em 1892 uma secção de bombeiros, e, depois, em 1898, à Associação de Bombeiros Voluntários.
Nesta mesma época, são igualmente de registar significativos melhoramentos ao nível de infraestruturas, com implicações na vida quotidiana, tais como: em 1864, a construção de novas ligações de água potável, com a implantação de dois chafarizes, um na Praça do Comércio, outro no Largo e de um tanque para animais neste último local; em 1870, com apoio do benemérito David Manuel da Fonseca, a renovação do Hospital da Misericórdia (ampliado em 1903, por iniciativa do provedor e presidente da Câmara, Manuel Joaquim Correia); a construção de algumas pontes em alvenaria, como a do "Rio da Ponte" em 1870, a ponte em ferro de Barbancho, em 1876, e inúmeras outras em estrutura de madeira, como no rio de Alcobertas e na Ribeira do Juncal.
Na viragem do século, o concelho de Rio Maior continua a ter a sua gente maioritariamente ligada às atividades agrícolas, com particular realce para os cereais e o olival, bem como para a vinha que, entretanto, começa a despontar. No entanto, importa referir a constituição da primeira sociedade para exploração do carvão de pedra em 1890, embora seja bastante mais tarde que a indústria mineira irá ganhar importância e dimensão. As restantes indústrias são ainda essencialmente manufatureiras e desenvolvem-se na base de oficinas de madeiras, do ferro e latão, dos couros e cerâmica.
Contudo, é no âmbito da rede viária que se situam as grandes deficiências do concelho, cujas ligações ao exterior são efetuadas pela estrada real nº 65 Peniche - Santarém, e por duas estradas distritais, a n.º 125, Rio Maior - Alcobaça, e a n.º 127, Rio Maior - Torres Novas[8]. Todas as outras ligações constam de estradas municipais de terra batida, em muito mau estado de conservação, o que prejudica todo o tipo de transação económica e contribui fortemente para o isolamento das populações rurais. Daí que, desde muito cedo, se façam sucessivas tentativas para melhorar as ligações rodoviárias no interior do concelho. A grande aspiração local será a instalação de uma linha férrea, entre Peniche e Setil, passando por Rio Maior, a qual, decretada pelo governo ainda no tempo da monarquia, irá ser sucessivamente adiada pela necessidade de novos estudos ou por falta de financiamento, desembocando todo este processo na vacatura do respetivo concurso público, já em plena República.
A implantação do regime republicano criou grandes expectativas em Rio Maior e mobilizou a generalidade das forças vivas do concelho. A atenção dada ao ensino e às obras municipais, vetores principais das sucessivas vereações autárquicas, não foram tão extensivas, nem tiveram tanta profundidade quanto o desejável e necessário. Ainda assim, regista-se o enorme incremento das atividades de natureza cultural, desde a refundação do jornal O Riomaiorense, à continuada representação de peças de teatro e de recitais, bem como ao aparecimento das primeiras projeções de filmes (mudos), que culminam na constituição de uma empresa cinematográfica em 1920. Acrescente-se ainda a fundação de clubes de futebol. Primeiro, o Sport Clube em 1919, depois, o Operário em 1921, e, finalmente, o Lusitânia e o União, ambos em 1923. Temos, assim, um quadro de referência da transformação por que passa a vida social, educativa e desportiva da vila nos inícios de Novecentos.
A criação da Escola Comercial Municipal, em 1924, obra de Augusto César da Silva Ferreira, médico e delegado de saúde, hoje em dia patrono da Escola Secundária de Rio Maior, é o ponto de chegada de uma longa caminhada iniciada por seu pai, Manoel José Ferreira, pedagogo de elevada estatura, o qual, desde 1876 e ao longo de 36 anos, ocupa o lugar de professor de instrução primária de Rio Maior, desenvolvendo aí uma ação notável de entrega à profissão, empenho e dedicação.
Outro período marcante da história do concelho é o da gestão de João Ferreira da Maia, em especial a partir de 1926, enquanto Presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal e também como Provedor da Santa Casa da Misericórdia. Os melhoramentos realizados e os serviços criados nesta época incluem, entre outros: a eletrificação da vila em 1928, a inauguração da nova Estação Telégrafo Postal e da linha telefónica em 1933; a aprovação dos estatutos da Casa do Povo de Rio Maior em 1934; a inauguração dos novos hospital da Misericórdia e matadouro municipal em 1935; e as intervenções ao nível do abastecimento de água em 1936.
No contexto da II Guerra Mundial, e por iniciativa do governo, intensificam-se os trabalhos de extração na mina de lenhite do Espadanal, em Rio Maior, o que resulta na vinda e fixação de centenas de mineiros e suas famílias, oriundos de várias partes do país. Este surto demográfico implicará nova alteração nas dinâmicas locais, com o consequente aumento do perímetro urbano da vila e abertura de novas valências e estabelecimentos comerciais. No mesmo decreto governamental que inclui o plano de trabalhos da lavra mineira,[9] vem também prevista a construção da linha férrea, que servirá para o escoamento do carvão. Ficará, contudo, por concretizar o tráfego de passageiros e de mercadorias em geral.
A exploração de areeiros, iniciada em 1946, completa a implantação da indústria extrativa alargando, simultaneamente, o universo de referências do microcosmo riomaiorense e a valorização das suas elites.
Na segunda metade do século XX, a expansão da rede escolar primária às zonas rurais, a formação do Círculo Cultural e a constituição do respetivo Coral e Orquestra Típica (1956), a fundação do Colégio Luís de Camões (1956), a inauguração do novo edifício do Palácio da Justiça (1961) e da Igreja Matriz (1968) são a expressão dos desenvolvimentos conseguidos por via das condições económicas, mas também por conta de uma geração de riomaiorenses que apostam nos caminhos da modernidade.
Coincide também este período com o da expressão literária de Ruy Belo, poeta maior da língua portuguesa, natural de São João da Ribeira, precocemente falecido em 1978.
Por outro lado, o mundo operário ganha também novas e importantes unidades entre 1957 (Carnes Nobre) e 1970 (Cooperativa Agrícola dos Produtores de Carne e Ovos), inscrevendo na matriz económica do concelho a ancestral ligação à atividade agrícola e pecuária.
Na transição do século XX para o atual, destaque-se a elevação de mais uma freguesia do concelho a vila, no caso Alcobertas e, a nível da sede de concelho, a aposta realizada no setor desportivo, que irá resultar na atribuição do apelido "Cidade do Desporto" a Rio Maior, ganho tanto por conta dos investimentos realizados em serviços e infraestruturas ligados à área, caso do Centro de Estágios e Formação Desportiva ou da Escola Superior de Desporto, quanto pelos resultados obtidos em competições nacionais e internacionais por atletas vinculados aos clubes locais, ou que aqui treinam e realizam o seu percurso formativo.
Para além disso, Rio Maior beneficiou, nos últimos anos, dos investimentos nacionais realizados ao nível de acessibilidades, nomeadamente com a ligação à rede de autoestradas.
A rede viária, a par com a localização no centro do país, junto à orla marítima e a curta distância da capital, bem como a implantação de uma Zona Industrial e de um Parque de Negócios são fatores que têm potencializado a atratividade ao nível de investimentos.
No futuro, perspetiva-se que a cidade de Rio Maior, correspondente freguesia e concelho prossigam numa rota de progresso e que a região, por todos os seus atrativos, continue, como no passado, a ser escolhida tanto para local de passagem, quanto de permanência.
[1] A este respeito, entre outros, cf. Fernando Almeida, Breves palavras sobre arqueologia do Concelho de Rio Maior, Barcelos, Companhia Editora do Minho, Abril 1979.
[2] ANTT, Mesa da Consciência e Ordens, Ordem de Cristo, Tombos Gerais, N233 fl 175
[3] ANTT, Tombo da Comarca da Estremadura, Feitos da Coroa, Núcleo Antigo 293
[4] ANTT, Chancelaria de D. Afonso VI, L. 23 fl. 161v.
[5] ANTT, Chancelaria de D João V, L. 61 fl. 130 v.
[6] ADS, Livros Notariais de Rio Maior, Teodoro Botelho Nobre, 1794, fls. 4 e 4v.
[7] Vd. Censo da População de Portugal no 1º de Dezembro de 1911, Lisboa, Impressa Nacional, 1913-1917.
[8] Vd. "Regulamento da Conservação, Arborização e Polícia das Estradas", publicado no Diário do Governo, nº 73, em 21 de fevereiro de 1889, e em vigor à data da implantação da República, que contém em anexo a Tabella das Estradas [então] Reais, de 1ª Ordem, e a Tabella das Estradas Distritais, de 2ª Ordem, pp. 138-150.
[9] Cf. Decreto n.º 32.270, de 19 de setembro de 1942.